domingo, 1 de dezembro de 2013

Divisor de águas, transformação, capítulo 1

Seu nascimento foi motivo de muita alegria, embora a preferência fosse por um menino. A mãe muito jovem e o pai trabalhador, camponês e agricultor, encheram-na de amor e carinho, pois a pobreza e as limitações impediam-lhes de uma boa alimentação ou abrigo.

No mundo nascíamos sob a vontade de Deus: ou senhores ou servos. A estrutura social praticamente não permitia mobilidade, sendo portanto que a condição de um indivíduo era determinada pelo nascimento, ou seja, quem nasce servo será sempre servo. Utilizando os conceitos predominantes hoje, podemos dizer que, o trabalho, o esforço, a competência e etc, eram características que não podiam alterar a condição social de um homem.

O senhor era o proprietário dos meios de produção, enquanto os servos representavam a grande massa de camponeses que produziam a riqueza social. Porém podiam existir outras situações: a mais importante era o clérigo. Afinal o clero é uma classe social ou não? O clero possuía grande importância no mundo feudal, cumprindo um papel específico em termos de religião, de formação social, moral e ideológica. No entanto esse papel do clero é definido pela hierarquia da Igreja, quer dizer, pelo Alto Clero, que por sua vez é formado por membros da nobreza feudal. Originariamente o clero não é uma classe social, pois seus membros ou são de origem senhorial (alto clero) ou servil (baixo clero).

"Na sociedade alguns rezam, outros guerreiam e outros trabalham, onde todos formam um conjunto inseparável e o trabalho de uns permite o trabalho dos outros dois e cada qual por sua vez presta seu apoio aos outros" Para o bispo, o conjunto de servos é "uma raça de infelizes que nada podem obter sem sofrimento". Percebe-se o discurso da Igreja como uma tentativa de interpretar a situação social e ao mesmo tempo justifica-la, preservando-a.

Nesta sociedade, cada camada tem sua função e portanto deve obedece-la como vontade divina.
Ela nasceu serva, pele branca, cabelos negros e olhos verdes, cresceu aprimorando esta beleza e alienada às duras condições de sua vida e dos demais. O senhor feudal, homem abastado e solitário lamentava a perda de sua jovem esposa, vítima de uma febre muito alta, que sem maiores diagnósticos e por vontade de Deus se foi. Entre a tristeza da perda e a severidade com seus servos conheceu e apaixonou-se novamente.

Menina linda, de roupas rasgadas, cara suja e cheirando mal transformou-se em um princesa após aquele lindo, amável e envolvente encontro-casamento. De menina à esposa em pouco tempo, sua juventude foi de riqueza, luxo, fartura e amor. Mesmo sem saber exatamente o que significava amar, entendeu na prática que amar, que é cuidar, abençoar, proteger e entregar seu corpo e alma ao outro.

Feliz com tantos recursos, roupas, aquecimento e alimentos, seu rico lar era seu castelo. Em nada importava-se ou influenciava na forma rude de tratamento dos servos, na injusta divisão da colheita ou no afastamento de seus amorosos pais. Apenas agradecia ao bondoso Deus por tudo que Lhe dava e por seu sempre amável e cuidadoso esposo.

No mundo feudal não existiu uma estrutura de poder centralizada. Não existe a noção de Estado ou mesmo de nação. Portanto consideramos o poder como localizado, ou seja, existente em cada feudo. Apesar da autonomia na administração da justiça em cada feudo, existiam dois elementos limitadores do poder senhorial. O primeiro é a própria ordem vassálica, onde o vassalo deve fidelidade a seu suserano; o segundo é a influência da Igreja Católica, única instituição centralizada, que ditava as normas de comportamento social na época, fazendo com que as leis obedecessem aos costumes e à " vontade de Deus". Dessa forma a vida quase não possuía variação de um feudo para outro.

Poucos anos se passaram e muita alegria foi acumulada. Para sua vida não faltava absolutamente nada, mas seu esposos, instigado por seus serviçais, pelo falatório das ruas, por escritas nos muros, pichações na igreja e principalmente pelo bispo, seu amigo pessoal, a vinda de um herdeiro era indispensável.

Sem engravidar por anos a frustração do esposo transformou-se, aos poucos, na imposição de privações, em traições, exclusão gradativa do amor, agressões verbais, agressões físicas, castigos e estupros. Com sua rica casa desfeita, aproximou-se de seus servos, dividia o pouco que lhe era dado, saia de sua casa e visitava seus pais, os doentes, os famintos e voltava para seu castelo apenas feito de pedras.

Nada de filhos.
Nada de amor.
Sua vida havia tempero de dor.

     

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